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quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Estudo: Práticas Cotidianas na Educação Infantil (2009) - Parte 1

Obra de Donald Zolan
Estudo do documento: PRÁTICAS COTIDIANAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL - BASES PARA A REFLEXÃO SOBRE AS ORIENTAÇÕES CURRICULARES POR MARIA CARMEN SILVEIRA BARBOSA. (Parte 1 - até a página 18)


Documento escrito em especial para as professoras e professores de Educação Infantil que trabalha com a formação e a educação de crianças de 0-6 anos. Objetivo central do trabalho da autora é problematizar, inspirar e aperfeiçoar as práticas cotidianas realizadas nos estabelecimentos educacionais de educação infantil. Segundo a autora, as características da faixa etária das crianças exigem conceber um outro tipo de estabelecimento educacional e revisar alguns conceitos naturalizados em nossa sociedade sobre escola, infância, conhecimento e currículo.


Obra de Donald Zolan
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) considera as pessoas de até 12 anos de idade incompletos como crianças, este documento, voltado para a educação de crianças de 0 a 6 anos.

Reflexão do texto:
  • Quais são as funções específicas de uma escola que atende bebês e crianças bem pequenas?
  • Quais as estratégias consideradas adequadas ao trabalho pedagógico com crianças pequenas?
  • Que possibilidades de conhecimento podem ser propiciadas para as crianças?
  • Quais as relações de aproximação e de diferenciação dos papéis da escola e da família? 

Adquira o texto completo: Estudo completo

Obs. da autora: "As pesquisas no campo educacional sobre a pedagogia para a educação de bebês e crianças bem pequenas em ambientes coletivos e formais são recentes no país e quase inexistem publicações que abordem diretamente a questão curricular nesse primeiro nível da educação básica. Geralmente as legislações, os documentos, as propostas pedagógicas e a bibliografia pedagógica privilegiam as crianças maiores e têm em vista a adaptação da educação infantil ao modelo convencional que orienta os sistemas educacionais no país." 


Obra de Donald Zolan
É imprescindível: "Refletir sobre o modo de realizar a formação de crianças pequenas em espaços públicos de educação coletiva significa repensar quais as concepções a defender em um estabelecimento educacional. Ao mesmo tempo, impõe considerar quais são suas funções, de que maneira pode organizar seus modelos de gestão e sua proposta pedagógica, assim como instiga a se deter em qual será seu currículo, tendo em vista a perspectiva de um longo processo de escolarização." 



PONTOS RESSALTADOS PARA ANÁLISE
  • Reflexão sobre as diferentes infâncias (indígenas, quilombolas, ribeirinhas, urbanas, do campo, da floresta);
  • Definição das bases curriculares nacionais;
  • Constituição de pedagogias específicas para essa etapa da educação básica;
  • Afirmação da importância do trabalho docente a ser realizado em creches e pré-escolas por professores com formação específica. 

1. A ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL NOS CONTEXTOS CONTEMPORÂNEOS

1.1 Uma sociedade em transformação
  • As mudanças na sociedade são contínuas, porém nunca na amplitude e velocidade como estão acontecendo agora. 
A internet nos propiciou inúmeras facilidades, as pessoas estão conectadas em tempo real, as informações são difundidas rapidamente, assim como são facilmente transformadas e disseminadas. 

Antes, se davam de modo lento e eram incorporadas gradativamente pelas populações através das gerações. A partir da segunda metade do século XX, as alterações começaram a se intensificar e a incidir em diferentes campos da vida, sejam elas tecnológicas, científicas, religiosas e políticas o que vem causando alterações no comportamento humano.

Mídia e consumo - responsável por estabelecer um estilo de vida, onde sempre há uma nova necessidade a ser atingida, um novo objeto a ser consumido.

A interação com o mundo promove significativas mudanças e as mídias passam a configurar novas maneiras para o indivíduo utilizar e ampliar suas formas de expressão.

Mudanças no tipo de vida: pautado na incerteza, provoca nas pessoas a necessidade de tranquilidade e vínculos fortes com intuito de evitar a ansiedade causada pela instabilidade.

Sociedades mais tradicionais ofereciam a segurança, a proteção e a estabilidade, em contra partida dificultavam, e muitas vezes impediam, as transformações, a criatividade e a liberdade.

Porém na atualidade, são enfatizadas para os indivíduos, suas infinitas possibilidades, suas capacidades de pensar e realizar, em curto prazo, desejos e projetos. Todavia, são abandonados à solidão, à exclusão, à desigualdade social e econômica, à competitividade.

Ricardo Ferrari – Quintal (2013)
Na perspectiva da integralidade: torna-se sem sentido quando não se tem uma perspectiva de pertencimento, de convívio com os outros em temporalidades longas.

👉 O que é o processo educacional?

O processo educacional, principalmente aquele presente nos sistemas de ensino, é uma decisão política acerca do futuro de uma sociedade. É preciso pensar projetos educacionais que possam, em sua complexidade, dar conta tanto das necessidades de segurança, proteção e pertencimento, quanto das de liberdade e autonomia.

👉Qual a função da educação infantil nas sociedades contemporâneas?

Possibilitar a vivência em comunidade, aprendendo a respeitar, a acolher e a celebrar a diversidade dos demais, a sair da percepção exclusiva do seu universo pessoal, assim como a ver o mundo a partir do olhar do outro e da compreensão de outros mundos sociais.

Os pais precisam compreender que a escola não é depósito de crianças, e que os professores não são responsáveis por ensinar valores morais e menos ainda, professoras de creche/auxiliares não são babás. O enfoque da presença da criança não é assistencialismo. Nesse espaço educativo, as crianças aprendem rotina, socialização, compartilhar e tantos outros quesitos fundamentais para cidadania.

👉Como deve ser a concepção dos processos educacionais?

É preciso pensar projetos educacionais que possam, em sua complexidade, dar conta tanto das necessidades de segurança, proteção e pertencimento, quanto das de liberdade e autonomia.

As atividades propostas devem ser bem planejadas, não tem como objetivo ocupar as crianças sem intencionalidade, vai muito além. Educar e não 'catequizar' ou 'manejar'. Desenvolver potencialidades, promover autoestima e autoconhecimento. 

👉Qual a função da educação infantil nas sociedades contemporâneas?

Possibilitar a vivência em comunidade, aprendendo a respeitar, a acolher e a celebrar a diversidade dos demais, a sair da percepção exclusiva do seu universo pessoal, assim como a ver o mundo a partir do olhar do outro e da compreensão de outros mundos sociais.

👉No que compromete a função da educação infantil nas sociedades contemporâneas?

Implica em uma profunda aprendizagem da cultura através de ações, experiências e práticas de convívio social que tenham solidez, constância e compromisso, possibilitando à criança internalizar as formas cognitivas de pensar, agir e operar que sua comunidade construiu ao longo da história.

👉O que pode ser feito como intervenção na educação infantil?

Práticas sociais que se aprendem através do conhecimento de outras culturas, das narrativas tradicionais e contemporâneas que possam contar sobre a vida humana por meio da literatura, da música, da pintura, da dança. Contação de histórias coletivas de outras culturas que, ao serem ouvidas, se encontram com as histórias pessoais, alargando os horizontes cognitivos e emocionais através do diálogo, das conversas, da participação e da vida democrática.

👉Já nascemos sabendo nos relacionar com outras pessoas?

Embora sejamos biologicamente sociais, precisamos, no convívio, aprender as formas de relacionamento. Portanto, não nascemos sabendo nem mesmo socialização, a desenvolvemos através de convívio aprendemos formas de relacionamentos.

👉Qual papel da Educação Infantil nesse processo de interação social?

É uma grande tarefa da educação da primeira infância, realizar nas suas práticas cotidianas embasadas no que a cultura universal oferece de melhor para as crianças.

👉Como ocorrem as concepções de educação?

Não acontecem simplesmente na transmissão da informação, neutra e direta. Ocorrem através das tarefas do dia-a-dia que realizamos junto com as crianças, produzindo e veiculando concepções de educação que são efetivadas nas vivências e ações cotidianas nos estabelecimentos de educação infantil com um significado ético. Por exemplo: por intermédio de conversas, da resolução de conflitos, dos diálogos, da fantasia, das experiências compartilhadas com intuito de tornar o mundo mais acolhedor.

👉E se as concepções de educação fossem ocorridas de forma simples, neutra e direta?

Já teríamos resolvido a crise educacional brasileira, mas se efetivam em vivências e ações cotidianas nos estabelecimentos de educação infantil, pois têm significado ético.

👉 Processo de socialização contextualizado:


Ao longo dos anos, as crianças tiveram como ambiente de socialização inicial a família. Nasciam e cresciam cuidadas basicamente por suas mães e pais, avós e tios, irmãs e irmãos mais velhos. Suas interações com outras crianças eram feitas através das brincadeiras de rua, com os parentes e vizinhos. As famílias e as comunidades tinham hábitos, rituais e formas de educação que eram transmitidos de modo muito específico.

Nas cidades, vilas e aldeias pequenas, os comportamentos bastante padronizados e controlados socialmente. Assim, os processos de socialização das crianças eram bem definidos e sintonizados com o contexto de sua cultura local. Após longo convívio, basicamente com familiares e vizinhança, as crianças tinham uma segunda experiência de socialização apenas ao ingressarem no ensino fundamental (média de sete anos), recebiam as influências de suas tradições familiares e da vizinhança, ampliavam suas vivências com as experiências que a escola e a comunidade (convívio com professoras, colegas e outras famílias) poderiam oportunizar.

Na escola tinham a oportunidade de ter contato com o universo científico, artístico, cultural, tecnológico, ou ainda acesso a conhecimentos, experiências e vivências que não seriam possíveis em suas famílias. Em muitos casos, esses conhecimentos e experiências auxiliavam as crianças a problematizarem seus modos de ser, pensar, fazer. A escola ainda cumpre esse papel em muitos lugares do Brasil, principalmente em regiões como campos, florestas, áreas ribeirinhas ou em pequenas cidades do interior ou do litoral.


👉 Como se dá, atualmente, a socialização das crianças? 

Os meios de comunicação, a cidade e as tecnologias audiovisuais, influenciarem nos modos como as crianças aprendem a realizar sua participação na cultura. Sociedades complexas (mundializadas e midiatizadas), no mundo urbano contemporâneo, a socialização das crianças ocorre ao mesmo tempo no meio próximo, familiar e em um ambiente social, o estabelecimento educacional.

Ao ingressarem na escola, começam a conviver com adultos e outras crianças que não pertencem às suas famílias e que possuem hábitos, modos de falar, brincar e agir algumas vezes muito diferentes dos seus.

Nas relações que estabelecem com muitas pessoas e nas experiências concretas de vida diferenciadas, com grande presença dos meios de comunicação social que trazem mundos distantes para dentro das casas. Isso abre perspectivas para a aprendizagem de configurações de outros modos de socialização. As crianças, com experiências ampliadas, aprendem a viver e a conhecer um mundo permeado pela pluralidade desde muito cedo. Desse modo, se faz com a construção de identidade(s) múltipla(s) e com possibilidades de pertencimento ampliadas.

👉Além das mudanças sociais, que provocaram outro modo de analisar a socialização das crianças, também há as concepções sobre os processos verticais de socialização que vêm sendo colocados em discussão nas últimas décadas. 

Obra de Karl Ernst Papf
👉 Por que durante muitos anos, a socialização foi percebida como um processo hierárquico?

Porque possuía uma direção vertical descendente, na qual os adultos ocupavam o vértice superior e as crianças o inferior. O sentido era sempre de cima para baixo. Nessa perspectiva, as crianças chegavam ao mundo sem nada saberem, concebidas como seres incapazes, enquanto os adultos eram responsáveis por apresentarem o mundo para elas. Essa situação deveria resultar na incorporação passiva de um mundo dado e definitivo, desconsiderando as possibilidades de resistência das crianças a esse modelo. Essa visão de socialização pressupunha uma concepção de aprendizagem como um movimento do mundo externo em direção ao interno dos seres humanos. 

Nos últimos anos, essa relação unidirecional do processo de socialização passou a ser questionada. Porque os conhecimentos científicos que temos hoje sobre os bebês indicam que, desde muito pequenos, mesmo antes do nascimento, já estão em relação com o mundo. Também as mudanças nos costumes demonstraram que as crianças não são passivas: elas observam, tocam, pensam, interagem o que nos possibilita afirmar que elas sempre foram ativas em suas interações com as pessoas adultas e os meios em que estavam situadas, mas a sociedade não reconhecia essa participação.

Thaïs Vanderheyden 
👉 Como o mundo material e simbólico é oferecido à criança?

Através das pessoas, da cultura, dos alimentos, da natureza e é certo que ela o incorpora. Porém, a criança não o compreende a partir da lógica adulta, pois com ele se relaciona de modo particular.

Partindo desse princípio, devemos nos atentar para o olhar infantil, despido de malícia adulta. Mudar nosso olhar e tentar compreender como as crianças enxergam o mundo, perceber sua naturalidade ao lidar com o mundo. Adultos esquecem como é ser criança e tentam impor que crianças enxerguem o mundo adulto antes do tempo.

👉 Como as crianças compreendem esse mundo material e simbólico?

As crianças, em suas brincadeiras, em seus modos de falar, comer, andar, desenhar, não apenas se apropriam com o corpo, a mente e a emoção daquilo que as suas culturas lhes propiciam, mas investigam e questionam criando, a partir das tradições recebidas, novas contribuições para as culturas existentes.

👉Ao falarmos de socialização, estamos também discutindo uma compreensão sobre processos de aprendizagem. Como se dá essa relação?

Ideologia limitada e ultrapassada: Pregava que as teorias de aprendizagem, elaboradas ao longo dos anos, subsidiaram as idéias de socialização e, através delas, também eram pensadas. Compreendiam que, ou os seres humanos nasciam fadados a um destino (independentemente das ações e experiências que tivessem) ou ao nascer, não possuíam nenhuma capacidade nem referência e que o mundo ao seu redor as modelava.

Ideologia Interacionista e dialógico: Promove tanto as mudanças no conceito de socialização quanto no conceito de aprendizagem. Elas estão enraizadas em outros modelos de compreensão dos seres humanos e das relações sociais. Pensar os seres humanos como sujeitos de interações e a sociedade como uma democracia exige conceber a socialização e a aprendizagem numa relação dialógica.


👉A família, por exemplo, foi uma das instâncias de socialização que sofreu grandes mudanças nos modos de ser concebida ao longo dos três últimos séculos no ocidente.

Família tradicional ou nuclear: Considerada o modelo adequado para avaliar, compreender e pesquisar as famílias. Comuns em livros didáticos, fotos de propagandas e nos demais discursos que possuem vitalidade em nossa sociedade. 

Pseudo-famílias Margarina: Usadas na televisão, propaganda e também na religião e da justiça – podemos verificar que as famílias são representadas como grupos de pessoas, geralmente ligadas por laços sanguíneos, que incluem um homem, uma mulher e crianças, na maioria das vezes um menino e uma menina. O homem é o responsável pelo sustento material da família e a mulher pela reprodução e organização da vida familiar. 

Apesar dessa família não ter tido no Brasil uma existência real, ela ainda está presente em grande parte do imaginário nacional. 


Isso vai de encontro com a realidade social, mas por que as pessoas ainda não aceitaram que o quadro "Família Margarina" não existe mais?

Contudo, se olharmos com atenção ao nosso redor e se lermos atentamente as estatísticas, veremos que essa composição, além de não ser natural, nunca foi predominante, e vem sendo substituída por uma pluralidade radical de formações familiares como a monoparentalidade e a homoparentalidade, tornando explícito o diálogo transformativo inerente aos processos sociais. 


A realidade das famílias no mundo vem sofrendo modificações, ainda não plenamente aceitas - ainda há muita resistência quanto à quebra de padrão (imaginário), o que muitas vezes alimenta apenas a intolerância e a violência institucional.

Se as mulheres lutaram, e lutam ainda, para romper com o modelo único de família e a fixidez do lugar social a elas determinado, foi a partilha da educação das crianças com a escola que pode tornar viável novas configurações e organizações familiares. Ou seja, a igualdade dos direitos entre homens e mulheres na sociedade só poderá se consolidar se as instituições sociais tiverem novas significações. Dentre as instituições sociais que mais contribuíram para a possibilidade de constituição de novas oportunidades para as mulheres na sociedade e de formas alternativas de realizar a maternidade estão as creches e as pré-escolas. Afinal, elas desempenham um importante papel na liberação das mulheres como principais responsáveis pela educação das crianças pequenas. 

CRECHES - Objetivo primário: foram criadas pelas necessidades econômicas do capitalismo industrial com o objetivo central de substituir as atividades maternas enquanto as mães trabalhavam, tornaram-se, nesse momento, parceiras das mulheres na sua busca pelo exercício de outras funções sociais. 

Reinvenção das escolas de Educação Infantil: 

As escolas infantis foram sendo reinventadas, desde meados do século XX, para se tornarem colaboradoras dos homens e das mulheres contemporâneos na educação e cuidado das crianças. O modo como os estabelecimentos de educação infantil são organizados já demonstram o quanto foram pensados para, além de propiciarem às crianças espaços para as aprendizagens, realizar, em um espaço público e de vida coletiva, ações para o cuidado e a educação das crianças que sempre foram consideradas como da vida privada: a alimentação, a higiene e o repouso. 


IMPRESCINDÍVEL A INTEGRAÇÃO: FAMÍLIA, SOCIEDADE E ESCOLA

A situação de compartilhar a educação das crianças traz a necessidade social de um diálogo contínuo entre família, sociedade e escola. Ambas necessitam determinar os papéis de cada uma – o que compete à escola e o que compete às famílias – considerando a impossibilidade de haver uma regra única. As atribuições nascem das necessidades e das possibilidades de ambas as instituições e do diálogo entre elas. A isso denominamos colaboração entre as partes.

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

"A pedagogia como prática teórica" - capítulo 3 do Doc. Práticas Cotidianas de Educação Infantil



"PRÁTICAS COTIDIANAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL - BASES PARA A REFLEXÃO SOBRE AS ORIENTAÇÕES CURRICULARES" - MARIA CARMEN SILVEIRA BARBOSA, 2009). 

RESUMO DO CAPÍTULO "COMO SITUAMOS A PEDAGOGIA" (P. 41- 57)

Pontos importantes do capítulo 3, "A pedagogia como prática teórica", do documento Práticas Cotidianas na Educação Infantil - Bases para a reflexão sobre as orientações curriculares, de Maria Carmen Silveira Barbosa.

3.1 COMO SITUAMOS A PEDAGOGIA

Neste capítulo, é afirmado historicamente sobre os modos como a pedagogia é aplicada, seja em espaços formais ou espaços não formais, por intermédio da escolha de percurso e de suas práticas, expressa-se a intencionalidade e seu compromisso educacional.

Pedagogia é conceituada como modelos educacionais racionalizados em princípios claros e coerentes com suas práticas, baseado em crenças, princípios, interesses, concepções científicas e políticas dos grupos sociais.

As pedagogias, historicamente, conciliam práticas, reflexões e recentemente pesquisas. Ou seja, em sua peculiaridade de prática teórica apresenta-se como espaço tanto descritivo ou especulativo (hipóteses) quanto de intervenção social, de ação transformadora da realidade.

Atribuições da pedagogia: realização de atos com intencionalidade, ciente de que não formatará pessoas, mas promoverá ações inter-relacionadas. Portanto, requer enfoque em atentar para escolhas éticas, decisões políticas e ações práticas.

É uma disciplina de fronteiras, por ser constituída pela interdisciplinaridade, ou seja, dialoga com outras disciplinas ou ramos do conhecimento. Fato desvalorizado por longo tempo, porém na atualidade, saberes e conhecimentos científicos específicos, são inter-relacionados. De modo que, os campos de produção práticas dialogam com diferentes disciplinas teóricas, organizam pensamento e ação em determinadas situações e contextos.

Pensamento pedagógico objetiva investigar sistemas de ação inerentes às situações educativas, ou seja, a concretização da experiência educativa. Pois tece tanto discursos sociais, políticos, ambientais, entre outros, além de compor, também, pequenos discursos do cotidiano, articulando contextos aos processos complexos de produção de saberes. Portanto, as pedagogias são plurais, devido ao modo como articula, propõe, programa e realiza os processos pedagógicos, sempre singulares e complexos.

Funções pedagógicas: descrever, problematizar, questionar e complementar. Assim, onde há produção de conhecimento, de saber, de aprendizagem, práticas sociais de construção de conhecimentos, haverá a pedagogia.

Implicações pedagógicas: reflexão acerca do mundo socioeconômico e cultural, de modo a estabelecer relações e interações entre pessoas.

Pedagogia da Educação Infantil: Emergiu no fim do século XIX e início do XX. Constituída por pensamento semelhante ao da psicologia, ciência emergente na época, e entre seus objetivos, tinha o estudo de crianças, em seus processos de desenvolvimento e aprendizagem.

Por longos anos, a pedagogia para a pequena infância, em grande parte dos países, tornou-se um espaço de aplicação prática das pesquisas e conhecimentos definidos sobretudo por diferentes linhas da psicologia, todavia, na creche, houve predominância, por anos, de saberes da puericultura.

A partir da década de 60: História, sociologia, antropologia, filosofia, neurologia, geografia e outras ciências, começaram a construir conhecimentos sobre as crianças e as infâncias, e passaram a informar e subsidiar o campo da pedagogia, partindo de suas especificidades em ponto de vista. Nesse processo, interrogaram e problematizaram as práticas pedagógicas apoiadas na concepção de desenvolvimento como evolução linear, ou seja, simplificado, de aprendizagem como resultado individual e de pedagogia como ação comprometida apenas com os aspectos cognitivos do processo educacional.

Últimos 30 anos: propostas pedagógicas para Educação Infantil passaram por questionamentos, reflexão e reelaboração das suas práticas.

Concepção de pedagogia, mais abrangente e complexa: articula educação e cuidado. Tem fundamento na observação, investigação e na busca contínua de práticas cotidianas comprometidas com o acompanhamento, análise e a reconsideração das mesmas, para evidenciar pistas para formulação dessa outra pedagogia que emerge como metapedagogia, tem sua percepção relacional e dialógica.

Metapedagogia (*) - Por Jarabiza e Figueiredo Jr (2010) - objetiva à otimização da prática de ensino e aprendizagem.

Ação pedagógica: Ato educacional que evidencia intencionalidade, ou seja, se todas as ações ocorridas no âmbito educacional forem resultados do pensamento, planejamento, problematizações, debates e das avaliações, significa que estas ações explicitam as opções pedagógicas institucionais e de seus profissionais, o que configura uma pedagogia, levando em conta a articulação entre saberes, fazeres, pensares, sentires.

Exemplo de ação pedagógica de rotina com intencionalidade: A chegada das crianças ao estabelecimento educacional é uma prática social, o horário de entrada e recepção das crianças e família são pré-estabelecidos. São decisões tomadas partindo de análise de necessidade das famílias, da discussão e negociação com a comunidade, da reflexão sobre os critérios de atendimento às diversidades familiares e, também, partindo da discussão sobre a implicação dessa ação nos contratos dos profissionais e no desempenho educacional das crianças e dos projetos pedagógicos.

Dois aspectos explícitos nas proposições educativas: Um, é que nem todas as ações, por mais intencionais garantem efetividade de aprendizagem simultânea para todas as crianças e outro, é que nem todas as aprendizagens acontecem apenas por razão da intencionalidade pedagógica. Pois o cotidiano de um grupo de crianças em certo local é sempre mais rica do que possa ser previamente pensado e planejado, pois a convivência cotidiana implica eventos inesperados.

Intencionalidade pedagógica: Define o trabalho docente, e só é conquistada através de formação profissional sólida, um olhar sensível e atento. Oportuniza às crianças conhecimento através de situações desafiadoras e aconchegantes, instigantes e importantes, apresentadas pelo mundo à nossa sensibilidade e racionalidade

3.2 COMO ENTENDEMOS O CONHECIMENTO

Historicamente, os seres humanos viveram distintos "sistemas de conhecimentos". Para quem tem uma percepção mais profunda, cada um apresenta-se claro e evidente, pois sua organização parte do senso comum. Outros, causam estranhamentos por serem produzidos por grupos distintos, em espaços e tempos diversos, tais como nações indígenas, ou ainda, baseados em culturas populares ou sistemas que aparentemente são inapropriados ou desarticulados.

Conhecimentos cotidianos: Estruturados e organizados inicialmente por religiões, depois pelas artes e ciências, e ocuparam por séculos, a posição de absolutos inquestionáveis. Porém, a partir do final do século XX, com as discussões sobre concepções de conhecimento, evidenciou-se que os conceitos sociais, científicos, artísticos e religiosos foram produzidos e construídos socialmente e que não são únicos e nem definitivos, todavia eram versões parciais comprometidas historicamente com visões de mundo e de humanidade.

O conhecimento científico, atualmente, é centralizado ao longo da história ocidental, e especialmente, na escola, passou a ser questionado. Contudo, essa crítica foi originada pelos próprios cientistas, que questionaram seus métodos e verdades.

Nos últimos 50 anos, ocorreram mudanças importantes no modo de produção e organização dos conhecimentos nas sociedades ocidentais contemporâneas. O conhecimento científico passou de um conhecimento disciplinar a permear o todo o sistema educacional com a interdisciplinaridade.

Conhecimentos que eram considerados universais e verdadeiros, hoje podem ser avaliados como produtos da elaboração de uma classe social, de um gênero ou etnia com sua experiência histórica. Exemplo: diferenças entre brancos e negros, provocou o regime de escravidão; a ideia de incapacidade das mulheres em relação aos homens, estimulando uma sociedade patriarcal; a perspectiva adultocêntrica de compreender o mundo.

Atualidade brasileira: as diferenças culturais, étnicas, etárias, de gênero e de inserção na forma de produção promovem influência na seleção e na organização de saberes e conhecimentos escolares. São identificadas em diversas situações, de modo que entende-se que os conhecimentos não são neutros ou imutáveis. O desafio é transformar esses saberes e conhecimentos em práticas cotidianas para que possibilite às novas gerações a quebra de preconceitos científico e político persistente na sociedade.

Hierarquia entre campos de conhecimento é uma característica que vem sendo questionada, na medida que são estabelecidas diferenças e valorações entre as áreas. Pois os conhecimentos são de ordens distintas e não seguem uma hierarquia única, de modo que não se deve enfatizar apenas as áreas acadêmicas reconhecidamente sistematizadas para crianças, isso representa uma ausência de compreensão da multidimensionalidade dos processos de aprendizagem infantil.

A ciência reconhece que saberes cotidianos estão em processo de tornarem-se conhecimentos científicos, com foco na atenção e na reflexão destes saberes, permite sua sistematização e legitimação. É notório que a educação de crianças pequenas requer diversos conhecimentos, antes ignorados nos processos escolares, passaram a ser legitimados.

Na conjuntura mundial, percebe-se que certos conhecimentos, hoje, tem mais importância na sociedade que em outras épocas. Contudo, nas propostas educacionais, são temas pouco evidenciados. Atualmente, as tecnologias, a mídia e o meio ambiente interferem na vida das pessoas, e no caso da educação de crianças pequenas requer questionar conhecimentos e aprendizagens oportunos e adequados, a fim de formação de futuros cidadãos e de como querem viver no futuro.

Objetivo da Educação Infantil, do ponto de vista do conhecimento e da aprendizagem: favorecer experiências que permitam à criança apropriação e imersão em sua sociedade, por intermédio de práticas sociais de sua cultura, das linguagens que esta produz e produziu, a fim de construir, expressar e comunicar significados e sentidos.

Deve-se oferecer às crianças, situações práticas e vivências que possam ser processadas e sistematizadas, desde o nascimento. Por isso, é preciso optar outros modos de priorizar, selecionar, classificar e organizar conhecimentos, próximos de experiências dinâmicas das crianças e não de visão fragmentada da especialização disciplinar, problematizada pela ciência.

Ampliação de concepções de conhecimentos e saberes contribui para a compreensão e a valorização do pensamento infantil como modo de pensar.

Há uma diversidade de modos de aprender e produzir conhecimentos. O pensamento infantil, na maneira pela qual o cérebro reconhece e utiliza o corpo como instrumento relacional com o mundo, parte da ação, da fantasia, intuição, razão, imitação, emoção, linguagens, lógicas e da cultura.

A infância era desqualificada pela alegação de ausência de racionalidade, porém com o novo olhar, é possível evidenciar a riqueza nas formas próprias de racionalidade dessa fase. Com esse enfoque, pode-se propiciar uma educação, em que mantenham a sensibilidade para construir a razão, instigando o convívio e a potencializar sua imaginação em pensamentos, lógica e experiências que se tornam complexas reciprocamente.

A análise de algumas propostas curriculares evidencia que conteúdos se perpetuam, apesar das mudanças sociais, culturais e científicas da sociedade, ressalta-se ausência de movimento e atualização dos mesmos na intencionalidade pedagógica. São reconhecidos apenas conteúdos sistematizados em disciplinas formais e transmitidos de forma linear, fragmentada e repetitiva.

O objetivo inicial da escola era divulgar e distribuir conhecimentos, quando esta era a única que detinha a capacidade de promover acesso aos saberes e informações. Hoje, é apenas mais uma dentre muitas instituições de informações, por exemplo, as mídias, muitas vezes são mais poderosas e comunicativa.

O papel da escola não se limita apenas como transmissora, mas como construtora social de estratégias de organização e problematização dos conhecimentos e informações. Deve oferecer um espaço para pensamento, construção de contraculturas, culturas pessoais e comunitárias, para perguntas e busca de respostas nos processos dinâmicos de construção coletiva de conhecimento.

Características instigantes da produção de conhecimento nas sociedades atuais, afirmá-los sempre abertos, parciais e contingentes. As crianças aprendem a produzir significados, por intermédio de processos de interações com os conhecimentos, pois para elas não há segregações, são os adultos que o fazem, pois assim o aprenderam.

3.3 COMO COMPREENDEMOS O CURRÍCULO

Na educação infantil, não há clareza na terminologia empregada para referenciar a organização curricular. E há grande dificuldade de distinguir entre propostas pedagógicas e proposta curriculares. Passou-se a utilizar termos como "projetos pedagógicos" ou "propostas político pedagógicas", no lugar do termo "curricular", por ser mais inclusiva.

Por longo tempo, o que se tinha como currículo, era uma listagem prévia de conteúdos disciplinares, sem sentido para as crianças pequenas, com várias aprendizagens marginalizadas e consideradas irrelevantes como atividades curriculares, que eram mantidas fora do currículo, dos planejamentos e das reflexões de professores.

Substituição da visão restrita de currículo, limitada aos conteúdos pré-selecionados, por uma compreensão ampla com intuito em sistematizar diferentes aprendizagens tanto no contexto interno como externo à escola. Partindo disto, há possibilidade de focar o currículo nas crianças, como protagonistas e concebê-lo como construção, articulação e produção de aprendizagens que ocorrem no encontro entre sujeitos e a cultura.

Um currículo emerge da relação entre sujeitos e nos percursos no mundo. Os conteúdos a serem apropriados pelas crianças tem a finalidade de articular dinâmicas das relações e das significações, trazendo à tona respostas complexas aos questionamentos significativos e não apenas conhecimentos científicos fragmentados.

Elaboração do currículo ocorre com a participação infantil nos processos educacionais e está continuamente sendo reformulado. O professor observa e compreende, na ação, a configuração do pensamento, que não se restringe a transmissão de informação, mas a lançar desafios que estimule ao pensamento.

É imprescindível que haja a ludicidade no currículo, tempo para construção de cultura de pares, pois o conhecimento é construído quando brincam sozinhas ou ao socializarem. Nessa concepção de currículo, o professor permite acesso aos conhecimentos e denominações científicas, além promover integração entre brincadeiras e conhecimentos teóricos-práticos.

O currículo propicia o espaço de encontro, em que se formulam, transmitem e processam conhecimentos explícitos ou ocultos, assim como promovem a interlocução entre educandos e educadores, baseado na articulação de princípios educativos.

Pensar no currículo na atualidade, impõe desafios, pois no debate sobre a educação de crianças pequenas é visível que o currículo oculto promove muito mais conhecimento tanto às crianças quanto aos adultos do que o que consta em planos e programações.

A sistematização do ensino, tradicionalmente vinculado à lógica escolar, não consegue contemplar a complexidade do universo infantil, pois ao seccionar o cotidiano em disciplinas, reduz o poder do pensamento complexo das crianças.

O currículo acontece, concretiza e dinamiza aprendizagens apenas quando as experiências pedagógicas são envolventes e constituem sentido. É imprescindível considerar que para aprender é preciso que as necessidades das crianças e sua subjetividade estejam conectadas com os saberes e conhecimentos das culturas onde estão inseridas, ou por aquelas pelas quais estão sendo desafiadas. Isso promove uma integração entre conhecimentos e vivências, assim como uma co-relação com os contextos pessoais e a aprendizagem, favorecendo uma narrativa pessoal e coletiva. Desse modo, o currículo não é compreendido como prescritivo, e sim, como ação produzida entre educandos e educadoras, ressaltando princípios educativos.

A importância do currículo estar articulado com práticas culturais de determinado grupo, em tempo e espaço, por expressar uma cultura. Deste modo, não pode ser desvinculado do contexto social que engloba os contextos familiares envoltos em valores, que podem ser destacados na formulação de princípios e dos conhecimentos curriculares. Contudo, deve haver uma preocupação institucional para transformação de valores, caso sejam contrários aos princípios éticos.

A vida social em sua complexidade está presente no currículo da educação infantil, mesmo que as novas concepções de currículo destaquem-se em pesquisas e em discursos acadêmicos, a orientação e sistematização da ação educativa prossegue como uma listagem de objetivos e conteúdos, em grade obrigatória. Em alguns casos, pautado pelas áreas de conhecimento e em outros, pela faixa etária. Com isso, percebe-se que a complexidade que permeia o cotidiano não é valorizada e não é usada como método "científico" de produção, registro e organização das práticas educacionais. Ressalta-se que algumas propostas curriculares são extremamente específicas que reduz a condição do professor a apenas um aplicador ou reprodutor de pensamentos, planejamento e elaboração de outros profissionais.


TENDÊNCIAS RECORRENTES NA EDUCAÇÃO INFANTIL:

ÁREAS DE DESENVOLVIMENTO

Estabelecida pela psicologia do desenvolvimento como campo de observação e estudo, serviram por anos como referencial para pensar padrões de educação de crianças pequenas. Sendo as bases para a organização curricular da educação infantil, as áreas motora, afetiva, social e cognitiva, com a finalidade de que através de suas propostas fosse oferecida de modo progressivo, possibilidades de aquisição de competências e habilidades em cada área para as crianças. Por essa razão, a professora estudava separadamente cada área para proporcionar o desenvolvimento das habilidades, e a pauta de desenvolvimento era a referência para a avaliação.

ÁREAS DE CONHECIMENTO

Tem como referencial o modelo das disciplinas do Ensino Fundamental e Médio, é formatado a partir da estrutura das disciplinas escolares. As propostas educacionais emergem da concepção ultrapassada de educação linear e gradativa, em que o papel da escola é transmitir conhecimento previamente organizado, priorizando informações de listas de conteúdos e respectivas atividades. Embora existam modos variados de compor conhecimento, organizar e denominar áreas de conhecimento, a maioria das escolas preocupam-se com definições graduais, conteúdos específicos, e algumas sugerem abordagens interdisciplinares. Aparentemente consideram que a investigação intelectual está acima da vivência e do que faz sentido para as crianças.

CALENDÁRIO DE EVENTOS

Há currículos de escolas de educação infantil que contemplam um calendário de eventos (religioso, civil e comercial), que anualmente torna-se maior, e que as práticas educativas são determinadas por ele.

CONTROLE SOCIAL

É um currículo que promove submissão, impõe disciplina de corpo, mente e emoções. Há escolas de educação infantil onde os conhecimentos, os saberes e as aprendizagens ocupam um lugar marginal. Lugares estes, em que a imagem de infância predominante é a de que as crianças são naturalmente indisciplinadas. O principal objetivo destas instituições é de exercer controle sobre as crianças e doutriná-las na realização adequada de tarefas escolares. Essas instituições geralmente não possuem uma proposta político-pedagógica nem uma discussão clara sobre política e pedagogia.

CONTEXTOS EDUCATIVOS E/OU NÚCLEOS TEMÁTICOS

A organização de ensino para estes conteúdos curriculares é feita através de projetos e temas geradores. Partindo da observação de que muitos aspectos importantes da vida cotidiana infantil e das instituições permaneciam ignorados dos currículos oficiais, algumas propostas passaram a incluir, além das áreas de conhecimentos, temáticas denominadas de contextos educativos e/ou núcleos temáticos. Temas relacionados à sexualidade, à violência, à morte, à separação dos pais, à adoção, à violência, à alimentação e à religião, dentre outros, emergiram da necessidade de contemplar as especificidades da vida das crianças pequenas em seus contextos, com intuito de auxilia-las a compreenderem tanto a si mesmas quanto às realidades em que vivem. Pela complexidade das temáticas, envolvem um trabalho coordenado por professoras, mas articulado com crianças, pais e demais profissionais.

LINGUAGENS

Muitas propostas pedagógicas emergiram, atualmente, pautadas em linguagens. É uma abordagem recente na educação infantil, considerando-se que a apresentação das bases teóricas ainda é muito sucinta e as compreensões diferenciadas, o que leva à diversos questionamentos. Geralmente, a linguagem é interpretada como um campo disciplinar, a linguagem verbal.

Há situações em que cada linguagem corresponde a uma disciplina, Ex.: linguagem musical ou plástica e ainda, outras vezes, aparecem como formas de expressão relacionadas a instrumentos, ferramentas e tecnologias como a linguagem informática e a cinematográfica, etc. Ou algumas vezes, aparecem condensadas como em linguagens da arte ou linguagens artísticas; outras, subdivididas, como a linguagem do desenho, da pintura, da escultura.

Na Educação Infantil, as linguagens mais enfatizadas são, principalmente, as das artes visuais, do corpo e do movimento, da música, da literatura, da linguagem oral, do letramento, da natureza e da sociedade.

Independente da ausência de uma discussão mais contundente que permita considerar a complexidade e ambiguidade do tema, a importância da ideia das linguagens nos currículos é a de que permite considerar a multidimensionalidade das crianças. Pois considera a criança em um aspecto mais amplo dentro da concepção de infância.

Um currículo não pode ser previamente definido, ele só pode ser narrado e acontece no tempo da ação e emerge do encontro entre famílias, crianças e docentes, visto que as famílias e as crianças trazem valores, saberes culturais e experiências de inserção social e econômica diversificados. Portando, o currículo deve ser flexível

As escolas oferecem modos de gestão e organização dos ambientes escolares, propiciando as condições educacionais, contudo os docentes e demais profissionais trazem da sua formação profissional concepções de teorias e práticas pedagógicas que orientam sua ação.

A projeção e elaboração de um currículo é importante porque nos faz refletir e avaliar nossas escolhas e nossas concepções de educação, conhecimento, infância e criança, reorientando nossas opções. E essas são sempre históricas, sempre redutoras diante da imprevisibilidade que é viver no mundo.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Práticas Cotidianas na Educação Infantil – Bases para Reflexão sobre as Orientações Curriculares. Projeto de Cooperação Técnica MEC / Universidade Federal do Rio Grande do Sul para Construção de Orientações Curriculares para a Educação Infantil. Brasília, MEC/Secretaria de Educação Básica/ UFRGS, 2009.

JARABIZA, Vander ; FIGUEIREDO JR., S. R. Aprendendo a profissão de professor: o desenho na prática docente. In: II Simpósio Nacional de Educação / XXI Semana de Pedagogia, 2010, Cascavel, PR. Simpósio Nacional de Educão, 2010.


segunda-feira, 16 de outubro de 2017

A função social da Escola na EJA. Escola; Pra quê te querem?


Mais um artigo sobre Educação para Jovens e Adultos a ser trabalhado, com intuito de aprofundar os conhecimentos quanto ao assunto, na perspectiva dos autores citados abaixo.

Autores do artigo: Fernanda Maria da Silva¹, Marina Andretta Barbosa ² e Xavier Uytdenbroek ³

Principal objetivo: Analisar a função social que cumpre a escola para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), a partir da comparação da legislação educacional vigente e a prática vivenciada por educadores e educandos. Perante a dicotomia teoria-prática, buscaram identificar propósitos da educação para este público na literatura oficial.

A pesquisa realizada por intermédio de abordagem qualitativa - análise das propostas educacionais na legislação brasileira seguida de uma pesquisa de campo na qual foram utilizados como procedimentos metodológicos observações e entrevistas com alunos e professores de duas escolas da Prefeitura Municipal do Recife. 

Com base nos documentos formais, tais como, Lei 9394/96 (LDB/96), Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), o Plano Nacional de Educação 2001 e a Constituição Federal de 1988, no que dizem respeito à Educação de Jovens e Adultos (EJA): oficialmente, a função social qual a EJA se propõe a cumprir é a de preparar jovens e adultos, através de oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, possibilitar aos educandos aquisição de conhecimentos e habilidades necessários ao exercício da cidadania, preparação para o mundo do trabalho e participação crítica na vida política.

Orientação prática:

➽ EJA - Política Pública comprometidas com transformações estruturais e bancada pelo Estado. Com intenções éticas, políticas, culturais e sociais em curto, médio e longo prazo, que requer qualidade, profissionais qualificados e o seu desenvolvimento é como de um projeto social. É fundamental para todas as idades, pois ainda há um grande contingente de analfabetos no Brasil, o que remete a um processo de exclusão social. E tem como princípios: ler, escrever, interpretar.

➽ É uma política de inserção auto-sustentável. A EJA é um projeto estratégico e tático de Educação Nacional e tecnológica para formação de um sujeito com autonomia intelectual.

"A educação de jovens e adultos, visando a transformação necessária, com o objetivo de cumprir de maneira satisfatória sua função de preparar jovens e adultos para o exercício da cidadania e para o mundo do trabalho, necessita de mudanças significativas." (PCNs)

Essas mudanças estão acontecendo? Sob o ponto de vista dos autores: em sua maioria ainda estão por se concretizar. Essas mudanças foram norteadas pelos valores apresentados na Conferência Internacional de Hamburgo, na Lei 9394/96, no Parecer CEB 11/00, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos e na Deliberação 08/00 CEB. 

Na observação prática, na pesquisa de campo, os autores observaram: o propósito destinado a EJA continua cumprindo uma função paliativa, que na maioria das vezes abrange apenas os processos de alfabetização do educando, ao contrário do que orienta o PNE 2001, que faz referência não só a alfabetização mas também aos aspectos de formação do educando enquanto cidadão: 

"A alfabetização dessa população seja entendida como no sentido amplo de domínio dos instrumentos básicos da cultura letrada, das operações matemáticas elementares, da evolução histórica da sociedade humana, da diversidade do espaço físico e político mundial e da constituição da sociedade brasileira. Envolve ainda a formação do cidadão responsável e consciente de seus direitos e deveres."

O Plano Nacional de Educação 2001 mostra uma distorção grave entre os propósitos teóricos e práticos da EJA.

Observou-se que, o público que frequenta as salas de EJA tem muita vontade de aprender, alguns demonstram uma verdadeira sede por conhecimentos novos, reconhece a importância da educação para a formação do individuo, a importância da cultura letrada, entre outras coisas.

E na prática?  Tais fatores não são suficientes para a efetivação da função social que a EJA se propõe a cumprir. Na prática esta função passa por oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho. Porém a realidade vivenciada pelo alunado não parece ser tão levada em consideração como prevê a legislação.

Quanto ao acesso à EJA? Os problemas são muito mais complexos, apesar da melhoria nos índices, segundo declarações inscritas no texto. 

Importantes observações 
  • Não basta estar na escola, é preciso ter garantidos os direitos de acesso e permanência, condições dignas de estudo e ensino, práticas docentes que incentivem a reflexão e a formação cidadã, através de conteúdos significativos para este público.
  • É preciso que os sujeitos tenham plena consciência sobre que papel desempenha a escola em suas vidas, até mesmo sobre a real serventia deste modelo de escola perante suas demandas sociais, para que possam ter clareza sobre o que os traz novamente ou pela primeira vez à escola.
➽ As motivações de jovens e adultos são diferentes da motivações infantis. Para criança, há necessidade de um currículo padronizado e extenso, mas os adultos necessitam de conteúdos de aplicação prática para a vida diária e para resolução de problemas. Bons exemplos de triunfos adquiridos com a EJA é a independência de ler e escrever com privacidade, pegar ônibus, ler placas e informativos cruciais para o cumprimento da rotina. Deve-se observar as motivações que o levam a escola pela primeira vez ou mais uma vez. A sensibilidade à estímulos internos também são distintas, tais como satisfação, auto-estima, qualidade de vida, enquanto crianças são estimuladas por outras razões, tais como boas notas e elogio de pais e professores. 
  
Motivadores do tema e intenções
  • Analisar qual a função social da escola na Educação de Jovens e Adultos, perante a dicotomia teoria-prática, identificando os propósitos da educação para este público na literatura oficial e comparando-os com a vivência escolar de educadores e educandos.
  • Averiguar o que as Leis determinam é de certa forma fácil descobrir, através da verificação das propostas oficiais que foram analisadas, comparando-as com a vivência escolar de educadores e educandos, a fim de compreender como se aproximam, se determinam modelos que são seguidos ou não e até que ponto. 
  • Analisar, no campo escolhido, se a educação contribui com o processo de transformação da consciência, no sentido da criticidade do educando, enquanto ser social e histórico. 
  • Identificar em que aspectos a escola pode ser considerada um espaço capaz de gerar práticas sociais que contribuam para tal transformação. (Para tanto foi preciso adentrar em questões como autonomia, emancipação dos sujeitos, seu senso crítico e suas perspectivas perante a realidade.)
Muito importante também para os autores, foi considerar as expectativas que educadores e educandos depositam na Educação de Jovens e Adultos. 

 Breve análise sobre abordagem EJA: A metodologia utilizada para o ensino de jovens e adultos deve ser estratégica, pois há uma distancia abismal entre o modelo pedagógico e o modelo andragógico. Antes de construir um planejamento de aula para jovens e adultos, são necessários alguns questionamentos práticos:
  • Como os jovens/adultos pensam?
  • Deve-se levar em consideração que, uma sala de aula de EJA é constituída por pessoas de diferentes gerações. Portanto, a importância de analisar o público. Como posso atender essa demanda distinta?
  • Tendencialmente, crianças arriscam mais em errar/acertar, aprendem mais facilmente. Para o público EJA, não é tão fácil, pois implica em sentimentos que podem comprometer o interesse acadêmico e dificultar o aprendizado. Como abordar esses alunos na prática sem causar constrangimento ou retraí-los?
  • Jovens e adultos tem metas precisas. Cabe ao educador refletir seus objetivos com as aulas dadas, mantendo o enfoque na formação de cidadãos conscientes, críticos e capazes de refletir, e não apenas ensinar a ler e escrever. Deve-se refletir, o que quero como educador alcançar com minhas aulas?
  • Investigar os anseios e sonhos do aluno de EJA, mesmo que de modo discreto para não constrangê-lo. Quais as motivações desse aluno? Pode ser resolução de problemas do cotidiano, crescimento profissional e acadêmico, etc. 
Fato! 
"A legislação propõe muito mais do que os alunos esperam e cumpre muito menos do que estes mesmos alunos têm direito."
EJA NA HISTÓRIA RECENTE DO BRASIL: SÓ DEPOIS DE 1934... 
  • A Constituição Federal de 1934 é o primeiro documento que determina nacionalmente algo sobre a educação de adultos: Art 150  Compete à União: Parágrafo único 
a) ensino primário integral gratuito e de freqüência obrigatória extensiva aos adultos

Ainda que de forma quase imperceptível é onde se estabelece que a educação é gratuita, obrigatória e extensiva aos adultos. Explicitada  ainda como uma concessão. Pela primeira vez abre-se legalmente a brecha para se falar em Educação de Adultos. 
  • Pós Revolução de 1930 - a sociedade brasileira deu indícios de considerar a importância da educação também para os adultos, por muitas décadas, citados apenas como analfabetos.
 A revolução de 1930 foi um marco na reformulação do papel do estado no Brasil, profundas mudanças vinham acontecendo no país. Políticos e intelectuais estavam engajados na luta para reafirmar o Brasil como nação. Até aquela época prevalecia o federalismo, que reforçava os interesses das oligarquias regionais, porém a partir desse movimento a nação como um todo, estava sendo reafirmada. 
  • Década de 1940 - a União toma iniciativas pouco mais significativas, dando margem em seu discurso à educação de todos os adolescentes e adultos. Entre 1930-1945, houve a formação e a consolidação de um governo central, com iniciativas que trariam repercussões mais notáveis para a educação. 
  • A partir de 1945, segundo Beisiegel (1974), a UNESCO passou a influir diretamente nas políticas educacionais, trazendo contribuições quanto à expansão do ensino, da saúde e desenvolvimento social no Brasil.
  • Entre 1950 e 1964 houve espaço e tempo fértil para a disseminação das iniciativas educacionais verdadeiras, mais ligadas às necessidades da população, principalmente pela grande contribuição do método Paulo Freire, posto em prática em 1961, no Movimento de Cultura Popular em Recife e depois aceito pelos planos do Governo Federal e levado a outros estados, difundido com grande aceitação até ser interrompido pelas medidas tomadas após o Golpe Militar de 1964. 
  • Depois deste período, o governo militar instituiu o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), que se expandiu por todo o país. Embora discreta e isoladamente, houveram iniciativas mais críticas no desenvolvimento e prática de métodos baseados em Paulo Freire, ligadas a sindicatos e instituições religiosas. Nesse período experiências legítimas de educação popular e educação de adultos foram mantendo-se sob sigilo, sem ampla divulgação até meados da década de 1980.
  • Com o fim da Ditadura Militar, a educação de adultos ganhou maior dimensão, até a extinção do MOBRAL em 1985. A partir daí,  muitas iniciativas em favor da expansão massiva do acesso à educação no Brasil, principalmente no final da década de 1990 em diante. Iniciativas inéditas na história da educação brasileira, motivadas ou até pressionadas por organizações internacionais (UNESCO, Banco Mundial) e as metas estabelecidas pelas mesmas. Houve em todo o mundo uma ampliação do conceito e prática da alfabetização, no sentido de considerá-la como formação, provida de muitos outros aspectos que não apenas a prática da leitura e escrita.

Um dos princípios mais difundidos para a EJA, na Proposta Curricular para Educação de Jovens e Adultos do Ministério da Educação – 1998: “a incorporação da cultura e da realidade vivencial dos educandos como conteúdo ou ponto de partida da prática educativa”. Princípio este que como muitos outros ainda não chegou de forma concreta e solidificada ás práticas diárias das salas de aula.

➽ É importante vivenciar uma nova experiência, testar novas concepções ou conjunto de conhecimentos. Porém aprendem melhor quando sentem-se valorizados e respeitados, ressaltando que a experiência de aprendizagem é ativa e não passiva, pois satisfaz necessidades. O aluno de EJA aceita ser responsável pelo seu aprendizado, que é auto-dirigido e significativo. A aprendizagem é direcionada à ideias, sentimentos e ações. Ex. de direção: auto-estima

Quantitativamente a EJA, (antes chamada apenas Educação de Adultos), teve muitos avanços; a facilidade de acesso à escola aumentou consideravelmente, 

Há projetos do Governo Federal, como o Brasil Alfabetizado: que começou a levar em consideração as especificidades deste público, como a elaboração de material didático próprio e significativo, uma metodologia não infantilizada

➽O material novo é relacionado com o que eles já sabem, e atenção ao ambiente de treinamento que contribui para a aprendizagem.

Realidade: mostra problemas muito maiores do que apenas o acesso à educação. 
  • As garantias das condições de permanência e da efetivação de uma educação crítica e conscientizadora, talvez precisem de mais um século para se efetivar, pois envolvem dimensões muito mais complexas que a elaboração de material didático e quantidade de matrículas. 
  • Discussões sobre a escolarização da população de jovens e adultos não são recentes, pois já há mais de meio século as idéias freireanas sobre a mesma ocupam espaço no cenário nacional e internacional. 
  • As discussões avançaram a ponto de hoje compreendermos na escolarização uma necessidade de formação dos sujeitos, embora as práticas educativas estejam caminhando mais lentamente que a velocidade das discussões, congressos e produções acadêmicas.


➤ EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: DICOTOMIA TEORIA-PRÁTICA 


➽ O ensino Andragógico deve começar pela organização da sala, o modo como as cadeiras devem estar arrumadas. É importante que essa organização facilite discussões, melhor posição em círculo ou semi-círculo, jamais em fileira.

➽ Método Socrático de Ensino - devolver a pergunta à classe, para que possam refletir a questão. Exemplo de pergunta: "Quem pode iniciar uma resposta?" Jamais fazer perguntas que causem inibição ou intimidação, como por exemplo: "Quem sabe a resposta?". E jamais, dizer que a resposta está errada, pois deve-se contornar a situação para que o aluno não fique embaraçado em frente aos outros.

Com base inicial em um breve histórico de EJA no Brasil, os autores descrevem que  as origens do caráter corretivo, são para ajuste sobre aquilo que a escola regular não fez. 

Perfil de público a ser atingido: o economicamente marginalizado. Todavia a EJA não representa propriamente numa sociedade neoliberal uma necessidade econômica e sim uma concessão, conseguida com muitas dificuldades. 

"Falta ainda a conscientização de que a EJA está incluída na Educação Básica e têm direitos garantidos por lei, mas ignorados na prática."


Constatações sobre a EJA:
  • Por longo tempo, vista como uma espécie de compensação, de reparação para com o público de adultos ainda não alfabetizados.
  • Possuía mais as características de pagamento por uma dívida social que se formou ao longo da história para com a camada mais pobre da população. Esta tradição foi alterada nos códigos legais na medida em que a Educação de Adultos, mediante muita reivindicação dos movimentos sociais, foi tornando-se direito de todos.
  • Deslocou-se a ideia de compensação para o campo da reparação e da equidade, mas equidade relativa. Pois muitos foram e ainda são impedidos de exercer seus direitos por fatores como a própria negação do direito à educação, e ainda hoje muitos sofrem as conseqüências desta realidade histórica.
  • A sociedade que valoriza cada vez mais a educação escolar como condição básica para o exercício da cidadania, o acesso ao mundo do trabalho e a apropriação e o exercício de um senso crítico que o permita exercer plenamente direitos políticos e sociais. Para tanto algumas políticas públicas no âmbito educacional vem dando bastante ênfase a ampliação do número de vagas no ensino fundamental. 

  • Há um aumento significativo na oferta de vagas, mas a média nacional de permanência na escola, para a etapa obrigatória (oito anos) fica entre quatro e seis anos. E os oito anos obrigatórios acabam por se converter em 11 anos, estendendo a duração do ensino fundamental quando os alunos já deveriam estar cursando o ensino médio. O resultado desta realidade é a repetência, a reprovação e a evasão escolar mantendo e aprofundando a distorção idade/série e consequentemente aumentando o número de pessoas que cedo ou tarde voltarão à escola como alunos da EJA.
Os autores do artigo consideram que:

"Ao analisarmos a proposta de documentos oficias para a Educação de Jovens e Adultos constatamos que a mesma, teoricamente, deve levar em consideração a proposta de formação de um ser critico e capaz de trilhar seus próprios caminhos. Para tanto seria necessário que a educação estivesse cumprindo o papel de possibilitar aos educandos a aquisição de conhecimentos e habilidades necessários ao exercício da cidadania, preparação para o mundo do trabalho e para uma participação critica na vida política."

Segundo Freire (1980, p.20) “uma educação deve preparar, ao mesmo tempo, para um juízo critico das alternativas propostas pela elite, e dar a possibilidade de escolher o próprio caminho”.

O QUE OCORRE NA PRÁTICA?


A educação tem cumprido uma função paliativa, pois busca produzir números que apareçam nas estatísticas. Em segundo plano é deixada uma proposta concreta que venha a efetivamente nortear a Educação de Jovens e Adultos, oferecendo aos sujeitos deste processo a possibilidade de se reconhecer como cidadãos e de possuir ferramentas que os permita construir seu senso critico, sua formação como seres conscientes do seu papel social. Além de terem a possibilidade de uma reconstrução do seu próprio mundo como ponto de partida para a formação de uma consciência libertadoraHouve evolução em termos de legislação, a educação que cria e garante oportunidades ainda atinge a minoria da população. 

Quem precisa da EJA? 
Aqueles que desde criança precisaram parar de estudar para trabalhar em período integral, com certeza não têm nem a mesma formação nem as mesmas oportunidades de concluir o Ensino Fundamental e Médio, ingressar no Ensino Superior e simultaneamente à formação escolar, ter acesso a uma formação cultural ampla. Nesta perspectivas percebemos que EJA abarca pessoas que fugiram à “regra” do que a legislação propõe para a educação. Mais do que fugirem à regra, ficaram à margem do que determinam as leis com relação a direitos para todos.

 As reais necessidades de aprendizagem dos alunos da EJA são referentes à resolução ou melhoria na situação cotidiana, pois eles já tem um leque de problemas, tais como família para sustentar, manter ou conseguir novo emprego, ganhar mais, etc.A maioria entra na EJA para aprender a ler e escrever, raros seguem estudando. O esforço do professor/educador será um grande diferencial para que esse aluno avance.

Na afirmação inicial da hipótese dos autores, a educação se propõe a formar para a cidadania. Segundo o Dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira “cidadania é a qualidade ou estado do cidadão”, entende-se por cidadão “o indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um estado, ou no desempenho de seus deveres para com este”

Refletindo esse parâmetro de definição sobre cidadania, os alunos de EJA ainda não conseguiram obter esse patamar. Os autores consideram que pode-se partir de uma definição teórica, mas é necessário que o conceito seja vivenciado, que as pessoas o entendam de fato e identifiquem-se com tal definição em suas vidas. 

A Constituição Federal (1988) garante acesso de todos à educação, mas devido a desigualdades sociais, a exclusão e aos complexos processos de marginalização pelos quais ainda passa grande parte da população é preciso que haja outra lei, para garantir que, os que foram excluídos dos direitos “garantidos” pela primeira, sejam atendidos pela segunda. 

É o caso da Lei 9394/96, que prevê oportunidades e mais garantias, quando na prática;
  • Ainda vemos o aluno da EJA indo à escola com o objetivo de responder a demandas sociais, as quais não o incluem mais como ser produtivo. Demandas das quais nem ele se dá por conta. 
  • Seja um aumento no número de vagas promovido pelas políticas educacionais, seja a necessidade de melhorar os índices de desenvolvimento da população, ele é numericamente incluído, mas ainda não tomou consciência do que o leva até ali, do que esperar disso para si e para a sua comunidade. 
"É neste sentido que os autores questionam sobre qual a real função social da educação para a EJA."
 Segundo Barroso: "Atualmente, a função social da escola é residual e não está conseguindo cumprir com o seu papel (...). Nesse contexto, se discute as possibilidades de estabelecer uma outra relação entre a escola e o local, pois pode dar um novo sentido e significado a essa instituição e contribuir para reinvenção de outra regulação e organização. Esse é o grande desafio que se coloca, atualmente, para combater a exclusão e a segregação interna e externa dos indivíduos."
Reflexão dos autores: Barroso nos fala sobre reinvenção e um novo sentido a este modelo de escola que, segundo ele, não tem cumprido seu papel, que para nós não pode ser outro a não ser formar um cidadão crítico, consciente de seu papel na sociedade e ativo, com poder de reflexão e decisão. Espera-se que seja ampla esta função social, bastante complexa como em todas as definições que encontramos, mas, ao que pesquisamos, a função social tem-se resumido a alfabetização, a processos burocráticos e didáticos de elevação do tempo de permanência da população na escola. A visão encontrada não passa ainda pela formação humana e do cidadão pensante.

Função social da escola ou da educação escolar:
  • Função social como sua razão de ser, pois em Vieira vemos que “sempre que a sociedade defronta-se com mudanças significativas em suas bases sociais e tecnológicas, novas atribuições passam a ser exigidas à escola”.(VIEIRA 2002, pág 13). 
  • Nossa sociedade já passou e passa por muitas mudanças, por isso a importância de questionarmos que função a escola está cumprindo nesta sociedade e principalmente se os sujeitos da escola têm noção sobre esta função.
Que função social cumpre a escola para a EJA?" Nossa pesquisa não pretende encontrar a resposta, mesmo porque sob diversos aspectos as respostas são muitas e variam de acordo com a demanda da sociedade." 

A ESCOLA E AS  PROPOSTAS PEDAGÓGICAS DA EJA

O papel da escola ainda está na fase de dar oportunidade de escolarização básica aos que não tiveram oportunidade na fase própria. Ainda enfrenta problemas de ordem física, espacial, de acomodação dos alunos, de adequação do mobiliário e da evasão. O levantamento teórico obteve como resultado da pesquisa, a existência de um alto índice de evasão nas turmas de EJA. 

Reportagem da Revista Nova Escola edição 172 de mai/2004: Apresenta dados do Ministério da Educação, os quais informa que menos de 30% dos alunos concluem o curso na EJA.

Razões de evasão: 

  • Principalmente pelo uso de material didático inadequado para a faixa etária, 
  • Conteúdos sem significado
  • Metodologias infantilizadas, aplicadas por professores despreparados 
  • Horários de aula que não respeitam a rotina de quem trabalha e estuda
  • Não se levar em conta às particularidades deste público. 

Conclui-se com esses dados que a prática exercida na Educação de Jovens e Adultos não condiz com as propostas existentes para a mesma. 

A proposta da LDB (Lei n. 9.394/96), em seu artigo 1º: refere-se aos princípios norteadores da educação e estimula a criação de propostas alternativas para promover a igualdade de condições para o acesso e permanência do aluno no processo educativo, a utilização de concepções pedagógicas que valorizem a experiência extra-escolar e a vinculação com o trabalho e com as praticas sociais. Tal parecer sugere segundo Pinheiro “propostas pedagógicas concretas e mais próximas da realidade” (1999, p.29).

 A proposição de diálogos sobre campo de atuação profissional, o mundo do trabalho, sobre a vida. Dialogar conteúdo histórico, legislativo e informativo. Avaliar sempre o interesse e o progresso. Estimular a reflexão, argumentação, de modo a perceber evolução, inclusive no comportamento. Exemplo disso, há os mais reservados que se tornam participativos, o que é uma enorme evolução por vencer o medo da exposição.

De acordo com a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais a Educação de Jovens e Adultos deve ser pensada como um modelo pedagógico próprio, com o objetivo de criar situações de ensino-aprendizagem adequadas às necessidades educacionais de jovens e adultos, englobando as três funções: a reparadora, a equalizadora e a permanente, citadas no Parecer 11/00 da CEB/CNE.

  • De acordo com tal parecer, a função reparadora significa a entrada no circuito dos direitos civis pela restauração de um direito negado: o direito a uma escola de qualidade e o reconhecimento de igualdade de todo e qualquer ser humano.
  • A função equalizadora dará cobertura a trabalhadores e a tantos outros segmentos da sociedade possibilitando–lhes a reentrada no sistema educacional. Finalmente, a Educação de Jovens e Adultos deve ser vista como uma promessa de qualificação de vida para todos, propiciando a atualização de conhecimentos por toda a vida. 
  • A função permanente da Educação de Jovens e Adultos, não apenas alfabetizar, engrossar índices e estatísticas, mas reconhecer os cidadãos que nela se matriculam e permitir, de fato, que acumulem ferramentas para o exercício da cidadania.
É importante ressaltar que a educação destinada a jovens e adultos por si só já apresenta características peculiares. 

É uma modalidade de ensino que se destina as pessoas, que pelos mais diversos motivos, entre eles condições sociais adversas associadas à falta de políticas de planejamento eficazes na esfera escolar, não concluíram a escolaridade básica na “idade própria”.

Por este mesmo motivo é imprescindível que exista uma prática voltada para a realidade do educando, considerado tal ação necessária para que seja possível o acesso e permanência dos alunos, assim como o desenvolvimento dos propósitos a eles destinados.

 Deve pensar em como articular os conhecimentos prévios frente aos disseminados pela cultura escolar. Primeiramente, articular os conhecimentos trazidos pelo aluno de EJA, de sua vivência e sua visão de mundo. Valorizar seus conhecimentos, estimular o que já sabem associando com os novos conhecimentos explorados em sala de aula. Através do diálogo nem puramente academicista e nem puramente instrumental, buscar equilíbrio acolhendo o sujeito. É preciso reinventar a didática cotidiana para a organização do trabalho pedagógico.